26 maio, 2003

Estar apaixonada não significa entregar junto com o coração as rédeas da própria vida. O número de mulheres que acha que dedicação, carinho e perdão não combinam com amor próprio parece grande. E o mais preocupante é que a maior parte não se dá conta de que está colocando esses ingredientes numa proporção errada na relação. A justificativa dada pelos poetas de que “o amor tem razões que a própria razão desconhece” pode ser muito cômoda para quem tem medo de procurar a verdadeira razão de seus problemas, que quase sempre não é o outro, mas ela mesma.

É claro que o amor exige algumas doses de concessão e até de renúncia em seu favor. Mas quando alguém passa a errar a mão nesses componentes é sinal de que algo não vai bem, com a pessoa e com a relação. E, aí, as cenas de ciúmes, os constrangimentos e as humilhações passam a ser encarados como fatos normais para a manutenção do relacionamento. Esse tipo de drama, vivido por muitas mulheres, está agora na berlinda pela repercussão que a personagem Heloísa, da novela “Mulheres Apaixonadas”, de Manuel Carlos, vem tendo. Para o psicólogo Paulo Próspero, o problema dessas mulheres não é amar demais, mas sim serem inseguras demais. “Todos nós somos incompletos por natureza, por isso precisamos de coisas como o amor para nos levar ao progresso emocional. Mas quando essa necessidade do outro acontece de uma maneira desequilibrada é porque a pessoa não está lidando bem com ela mesma. E essas manifestações de desepero seriam uma forma de pedir ajuda ao outro, de mostrar o mundo interno dela”, diz ele.

Foi assistindo às atitudes da personagem que muitas mulheres vestiram a carapuça. Como aconteceu com a professora Suzana Miranda. E vesti-la, Suzana reconhece, foi o primeiro passo para se tornar uma mulher mais satisfeita. “Eu tinha complexo de estar acima do peso. Então, qualquer mulher magra que passasse, falasse, trabalhasse ou qualquer coisa com meu ex-marido, eu ficava pra morrer. A praia era um suplício, ficava vigiando o olhar dele. Conforme eu ia ficando ansiosa, acabava comendo mais e engordando, claro. Eu acabei vendo todos os meus fantasmas se concretizarem: começou a faltar respeito de ambas as partes, paciência por parte dele e amor, acho que dos dois. Meu casamento acabou”, conta ela, que diz ter tomado como primeira providência – depois da aquisição da carapuça para o guarda-roupa – partir para um spa. Depois se matriculou numa academia e não falta mais às sessões de análise. “O meu relacionamento tinha problemas como qualquer um. Mas a minha falta de estabilidade emocional pôs tudo a perder. Hoje, mais feliz comigo mesma, tento ponderar melhor meus relacionamentos e até fora eu já tô dando”, comemora Suzana.

A psiquiatra Maria Madalena Pizzaia, coordenadora do Centro de Atenção Diária, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, revela que amar demais é uma compulsão, como jogar e beber. Por isso o sucesso do grupo MADA – Mulheres que Amam Demais – que tem a sua dinâmica de tratamento baseada na de grupos como o Alcoólicos Anônimos. No entanto, essa compulsão de amar de forma errada pode acabar gerando diversos outros transtornos. “Essa relação disfuncional que ela tem com o parceiro pode desencadear depressão e outras compulsões como beber, comer e jogar. Acontece é que a maioria das mulheres acaba procurando tratamento por esses problemas e não pelo motivo principal, que era a relação conflitante com o outro”, diz Maria Madalena.

A causa de tantas confusões emocionais e sociais, pelas quais elas passam, está na atitude de colocar a vida da outra pessoa como centro das atenções e de relegar a sua sempre ao segundo plano. “Por causa do meu namorado fui perdendo o contato com meus amigos, perdi o interesse pelas pessoas e acabei ficando muito presa ao universo dele. Quando ele viajava a trabalho, eu me sentia como uma boneca sem dono numa prateleira. Estou percebendo como sou dependente dele e fico em pânico só de imaginar como seria se ele me deixasse. De uma certa forma, ele acabou nutrindo isso em mim”, confessa a analista de sistemas Mônica Fernandes. A psicóloga Ângela Kerber Marigny alerta para as relações simbióticas que essas mulheres tendem a estabelecer. “Elas não conseguem olhar para si mesmas. O foco está sempre na vida do outro, por isso elas tendem a assumir o papel de mãe, como protetora e que sempre perdoa, ou de filha, numa situação sempre de submissão e dependência”, revela Ângela.

Os efeitos dessa devoção desmedida quase sempre são devastadores como afirmou a psiquiatra Maria Madalena Pizzaia. Mas mesmo quando não chegam ao extremo de adquirir outros transtornos, a repercussão desse tipo de relação na vida de qualquer uma não se resume apenas às complicações amorosas. “A mulher que não acorda acaba passando a vida com sensações a respeito dela mesma muito ruins. Ela vai se achar sempre a vítima que foi injustiçada, vai ter sempre insatisfação pessoal, o que resulta numa má qualidade de vida”, finaliza Ângela Kerber.

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