27 junho, 2002

Esse artigo é para quem vive olhando torto para meus cabelos, minhas unhas, minhas inseparáveis espinhas e meu tenis surrado,
besos ..

E A GENTE ACREDITOU
DANUZA LEÃO (O ESTADO DE SÃO PAULO)
"
Quantas mentiras nos contaram; foram tantas, que a gente bem cedo começa
acreditar, ainda por cima, se achar culpada por ser burra, incompetente e
sem condições de fazer da vida uma sucessão de vitórias e felicidades.
Uma das mentiras: que nós, mulheres, podemos conciliar perfeitamente as
funções de mãe, esposa, companheira e amante, e ainda por cima ter uma
carreira profissional brilhante.

É muito simples: não podemos.

Não podemos; quando você se dedica de corpo e alma a seu filho
recém-nascido, que na hora certa de mamar dorme e que à noite, quando
devia estar dormindo, chora com fome, não consegue estar bem sexy quando
o
marido chega, para cumprir um dos papéis considerados obrigatórios na
trajetória de uma mulher moderna: a de amante.

Aliás, nem a de companheira; quem vai conseguir trocar uma idéia sobre a
poluição da Baía de Guanabara se saiu do trabalho e passou no
supermercado
rapidinho para comprar uma massa e um molho já pronto para resolver o
jantar, e ainda por cima está deprimida porque não teve tempo de fazer
uma
escova?

Mas as revistas femininas estão aí, querendo convencer as mulheres - e os
maridos - de que um peixinho com ervas no forno com uma batatinha cozida
al dente, acompanhado por uma salada e um vinhozinho branco é facílimo de
fazer - sem esquecer as flores e as velas acesas, claro -, e com isso o
casamento continuará tendo aquele toque de glamour fun-da-men-tal para
que
dure por muitos e muitos anos.

Ah, quanta mentira!

Outra grande, diz respeito à mulher que trabalha; não à que faz de conta
que trabalha, mas à que trabalha mesmo. No começo, ela até tenta se
vestir
no capricho,usar sapato de salto e estar sempre maquiada; mas cedo se vão
as ilusões. Entre em qualquer local de trabalho pelas 4 da tarde e vai
ver
um bando de mulheres maltratadas, com o cabelo horrendo, a cara lavada, e
sem um pingo do glamour - aquele - das executivas da Madison.

Dizem que o trabalho enobrece, o que pode até ser verdade. Mas ele também
envelhece, destrói e enruga a pele, e quando se percebe a guerra já está
perdida.

Não adianta: uma mulher glamourosa e pronta a fazer todos os charmes
aqueles que enlouquecem os homens - precisa, fundamentalmente, de duas
coisas: tempo e dinheiro.

Tempo para hidratar os cabelos, lembrar de tomar seus 37 radicais livres,
tempo para ir à hidroginástica, para ter uma massagista tailandesa e um
acupunturista que a relaxe; tempo para fazer musculação, alongamento,
comprar uma sandália nova para o verão, fazer as unhas, depilação; e
dinheiro para tudo isso e ainda para pagar uma excelente empregada - o
que
também custa dinheiro.

É muito interessante a imagem da mulher que depois do expediente vai ao
toalete - um toalete cuja luz é insuportavelmente branca e fria -, retoca
a maquiagem, coloca os brincos, põe a meia preta que está na bolsa desde
de manhã e vai, alegremente, para uma happy hour. Aliás, se as empresas
trocassem a iluminação de seus elevadores e de seus banheiros por
lâmpadas âmbar, os índices de produtividade iriam ao infinito; não há
auto-estima feminina que resista quando elas se olham nos espelhos desses
recintos.

Felizes são as mulheres que têm cinco minutos - só cinco - para decidir a
roupa que vão usar no trabalho; na luta contra o relógio o uniforme
termina sendo preto ou bege, para que tudo combine sem que um só minuto
seja perdido.

Mas tem as outras, com filhos já crescidos: essas, quando chegam em casa,
têm que conversar com as crianças, perguntar como foi o dia na escola,
procurar entender por que elas estão agressivas, por que o rendimento
escolar está baixo.

E ainda tem as outras que, com ou sem filhos, ainda têm um namorado que
apronta, e sem o qual elas acham que não conseguem viver (segundo um
conhecedor da alma humana, só existem três coisas sem as quais não se
pode
viver: ar, água e pão).

Convenhamos que é difícil ser uma mulher de verdade; impossível, eu diria."

Nenhum comentário: